eu, para sempre uma pessoa de extremos

Acabei de me sentar no meu lugar designado. Fila 21, assento C. Junto ao corredor, glória extrema.

Olho para o lado esquerdo e vejo um rapaz da minha idade e ar nórdico a falar em língua gestual com uma rapariga por vídeochamada. Claramente, namorados. Estão a fazer gestos românticos. Volto a cabeça para a frente e sorrio. O amor vive.

Inspiro longamente e encosto-me por completo na cadeira. Quase por completo. Olho para o lado direito e a um centímetro de mim está uma rapariga também da minha idade cujo casaco de inverno de recheio almofadado e arestas felpudas estrategicamente colocado como amortecedor entre o seu corpo e o assento ocupa muito mais do que o seu espaço designado. Serro os lábios e deixo que os meus molares inferiores empurrem os superiores com demasiada força, enquanto com o ombro direito luto para alcançar as costas do assento, por entre a penugem animal do casaco da miúda-verme. Se o corpo humano conseguisse produzir ódio em estado líquido, eu seria neste instante a versão homo sapiens das Cataratas do Niágara.

Love me or go the fuck home.

Uma só palavra

Numa única meia hora de viagem de carro consegui (i) cantar de olhos sorridentes uma música que adoro com voz oriunda do diafragma, (ii) berrar palavras comecadas por C para outro automobilista, enquanto gesticulava ameaças de punho fechado na sua direção e o meu coração palpitava raivosamente e (iii) chorar lágrimas sinceras de miséria profunda por alguma tristeza momentânea. 

Só fui apresentada às montanhas russas abismais que o mundo levianamente apelida de TPM aos 31, pelo que ainda estou a enfrentar esta realidade com espanto.

Bem ditos sejam os cubículos das casas de banho dos escritórios que permitem acolher com discrição a angústia repentina que ocasionalmente afoga olhos e aperta gargantas femininas só porque ao retirar um agrafo de um molho de folhas um dedo foi ligeiramente picado, ou porque o ar condicionado está demasiado frio e o casaco disponível não combina a 100% com a roupa que se trouxe, ou porque alguém a quem perguntámos se já tem almoço combinado não respondeu de forma excessivamente feliz ou simplesmente porque NADA!

Glória a todas as mulheres que habitam este mundo e que as têm histéricas dentro de si e ainda assim nestes dias ousam colocar as suas cabeças fora de casa e viver.

HORMONAS!, gritamos bem alto, de bocas escancaradas sorridentes e olhos lacrimejantes.

Glória às férias

Em primeiro lugar, um disclaimer: estou de férias.

Sim, de férias. 

Mais uns segundos?

Já reduziram o franzir de testa e o esbugalhar de olhos de total indignação contra a minha ousadia de tirar férias num período em que o senso comum dita que se deve estar a bulir furiosamente e que quem se atreve a escapar da normal temporada patronal deve ser presenteado com estes olhares quasimodianos e frases que em reduzida essência questionam se não me enganei e se na realidade não fui já de ferias?

Agora que ainda me odeiam de igual forma, mas compreendem que pelo menos não estou em incumprimento da lei, saibam que vim à praia. 

O interessante desta minha vinda à praia é que permitiu que confirmasse que a minha cobardia em proximidade da água anda a atingir dimensões abismais. Molhar os pés para mim consiste, nos dias correntes destes meus joviais 32 verões, em caminhar sobre a areia que há segundos foi tocada pela onda. Em certas ocasiões, quando não estou tão forte, opto por sentir a temperatura do mar através dos nanossalpicos que se projetam para cerca de 2 metros de distância da zona de rebentação. 

Naturalmente, este meu handicap foi rapidamente identificado pelo meu professor de surf, quando pela primeira vez entrámos na água e a minha expressão de terror e postura paralisada lhe deram a entender em meio segundo que eu tinha medo da água, das ondas, da corrente, da rebentação, das rochas, das algas, dos peixes e dos grãos de areia mais escuros.

Eu culpo a minha infância em Santa Cruz, onde ir à praia não incluía ir ao mar, a não ser para quem desejava uma morte molhada.

Conclusão: se virem uma jovem adulta a três metros do mar de ar satisfeito há uma possibilidade superior a zero de ser eu. (Mas não parem, continuem a andar, OK?)

Lost at the supermarket [post com banda sonora]

Já aqui desabafei sobre o meu amor profundo pela capacidade de iniciativa certeira do Spotify. Hoje venho fazer mais um louvor a este seu extremo talento. 

Fui ao supermercado sozinha às 11h da noite (algo que às almas altamente sociáveis poderá parecer um dos piores programas possíveis, provavelmente apenas ultrapassado por uma ida ao supermercado sozinha às 11h da noite de um sábado, mas para mim que sou supermercado-viciada é apenas um programa não histericamente fantástico) e o habitual passeio pelos corredores gelados rapidamente se transfigurou (Professora McGonagall <3) numa experiência revigorante, quando o Spoti me encheu os ouvidos de New Order.  

De súbito, estou nos anos 80. Cabeça oscilante. Ombro esquerdo para a frente. Ombro direito para a frente. Repeat. Puxo o cesto rolante ao ritmo das guitarras. Piso os mosaicos manchados em passos diagonais. De fato de treino transpirado (sim, vou ser solteira para sempre, eu sei), procuro melancias de dimensão proporcional à minha força de braços e sinto que sou a mais bem disposta de toda a zona dos frescos. 

Spoti, ainda estamos a tempo de casar. Pensa nisso.

Sou uma pessoa de fascínio fácil.

Vou ao Continente e invariavelmente fico siderada sempre que as portas de acesso ao supermercado se abrem sozinhas (abram alas que aí vem Rita, a Grande, procurar farinhas de cenas que depois arrumará em lindos frascos na despensa e utilizará nunca). Magia! grita o meu cérebro de imediato.

Falando seriamente, sofro do forte problema que é a ignorância (quase) absoluta sobre como funcionam (quase todas) as coisas mecânicas produzidas pela mão humana. As lâmpadas, os computadores, as impressoras, os aviões, ohmeudeus, OS AVIÕES! Desconheço como tudo isto funciona e isso aflige-me (mas aparentemente não o suficiente para ir consultar literatura elucidativa em vez de estar aqui a verborreiar). Suponho que o meu cérebro está demasiado ocupado com (i) o acompanhamento da obra cinéfila do Jake Gyllenhaal, (ii) a reflexão sobre qual o tipo de barba que mais bem lhe assenta e (iii) o desenvolvimento de uma tese sobre o potencial impacto positivo que o seu olhar puppy-guerreiro pode ter para o alcance da paz mundial.

Troco lições de física por farinha de grão (tenho bué). 

Talvez alguém escrevesse ‘Dramas da vida solteira’, eu proponho ‘Vicissitudes da existência inupta’ porque soa imediatamente chique e suaviza o pesar

Dormir uma sesta tão longa que devia ser apelidada de pré-noite, chegar ao telefone, que estrategicamente foi colocado noutra divisão da casa para evitar sobreusagem, repousar uma impressão digital sobre o botão redondo, ouvir com ansiedade o familiar tchik, constantar que a única notificação existente é Encontre já o seu sutiã favorito! da H&M, sentir transfiguração imediata da face para modo smiley face cujos olhos e boca são trancinhos horizontais  

Já o dizia a sábia Alice, se perguntarem por mim, digam que voei  🕊 (just kidding, vou só ali à casa de banho arranjar as sobrancelhas com precisão nanomilimétrica durante hora e meia).

 

Medos

Há certas certezas que me acompanham na vida desde há meias e meias dúzias de anos que são de tal forma inabaláveis que por mais cérebros inteligentes que me tentem convencer do contrário, sei que nada mudará. Uma delas é a minha convicção de que um ser humano não pode ser totalmente adulto, se ainda se tiver medo de ficar fechado na casa do lixo.

Só na década passada ultrapassei o medo do escuro (ainda tenho a recaída ocasional, sobretudo se estiver a dormir em quartos com armários grandes de madeira escura - como é que as crianças chegavam à adolescência na fase pré-Ikea, pergunto-me), por isso estou confiante de que ainda vou demorar até conseguir ficar fechada na mesma divisão que caixotes gigantes coloridos recheados de conteúdo cheiroso sem ficar com arritmia. Deixo sempre a perna estendida com o pezinho a segurar a porta, porque tenho a certeza ABSOLUTA de que se a ela se fechar assim permanecerá para toda a eternidade que nem pedras gigantes bloqueantes de túmulos do Vale dos Reis.

Posto isto, se estiverem perto de mim e me virem com um saco do lixo, sejam adoráveis e perguntem-me se preciso de ajuda - prometo que vou aceitar (apesar da minha quase-fobia a aceitar ajudar - sim, sou a rainha dos medos encadeados).

Relações a três

Uni-me de facto. A verdade é que não tínhamos dito nada a ninguém (tripla negativa, um prémio pf?) por estarmos ainda a pensar se escrevemos carta ao Papa Fran para ver se ele abre uma exceção e nos deixa fazer festa na igreja. Mas, já não estava a aguentar mais este segredo. O que interessa é que nos tornámos inseparáveis e vamos ficar juntos para sempre*.   

Já andamos na rua todos juntos sem querer saber dos que nos olham com sobrolho franzido. 

Com amor,

Airpod esquerdo, Rita e Airpod direito

* (ou until Low bat do us part).

My way or... my way

Queria só dizer ao mundo que no espaço de sensivelmente 1 ano consegui estragar 3 pneus. Uso o verbo conseguir porque tem de ser efetivamente uma proeza destruir - os meus não vão lá com espuminhas, nem remendos, é rasgão à la Jaws - 3 pneus.

Os senhores da oficina já mandaram imprimir um cartão de fidelização e avisaram que o 5.º é de borla. 

A reter: eu conduzo muito bem, OK? Sou até frequentemente acarinhada com aquelas frases clássicas misóginas do estilo para rapariga até conduzes bem.  

Agora que já estão a par deste facto essencial, vão-se e não me apareçam à frente na estrada.  

 

32 anos

Alerta: segue-se potencialmente o momento mais aberto de toda a história deste blog - suspense e emoção ao nível da revelação da identidade do assassino da Próxima Vítima (sim, tenho mesmo 32 anos) - não quero desiludir ninguém, mas ao mesmo tempo don't really care if i do, portanto deixo ao vosso critério decidirem se avançam.

Há uns quantos dias, passei a ser uma pessoa com 32 anos. Mais de três décadas, notem bem, seres humanos. Já posso dizer frases do género " há quase 20 anos estava eu na praia a ler o 4º Harry Potter". Felizmente, por obra e graça de algum anjinho padroeiro das caras de bebé, ainda tenho a oportunidade de viver a dicotomia de ora ser tratada por senhora, ora ser interrogada acerca do curso que frequento (score!).

Neste contexto, um facto importante a saber sobre mim é a minha quase-constante incapacidade de imaginação do meu futuro. (Não sei se é assim com a maioria das pessoas, mas) Nunca passei muito tempo a pensar como seria a vida da Rita do futuro. O máximo que fiz, creio, foi visualizar fazer 26 anos (data em que casava os anos) e fazer 32 anos (ano em que a minha irmã mais velha fazia - e fez - 40). Portanto, verdade seja dita, pensei em fazer 32 algumas vezes durante os passados 32 anos. Mas claramente não pensei com muita profundidade (provavelmente, esbugalhei os olhos e balbuciei uma qualquer palavra começada por F, voltando meros segundos depois a focar a minha atenção num qualquer rerun de Simpsons, enquanto ruminava uma bolacha Oreo).

Posto isto, esclareço desde já que NÃO (capitalizo, ou não fosse a Clareza a base do Ritianismo) estou em modo trauma por ser oficialmente uma pessoa medianamente-idosa (juro que tenho cada vez mais dificuldade em me lembrar de certas ... ?). No entanto, não posso deixar de assumir (acho que por esta altura, se estão a dedicar tempo a ler isto em vez de estarem a movimentar em gestos repetidos de baixo para cima o vosso dedo sobre um roll interminável de fotos de babes demasiado morenas com caras de êxtase Balinense, já devem saber que eu sou a maior apologista de por as superficialidades de lado e apenas perder tempo a escrever coisas que (tentativamente) acrescentem alguma coisa ao mundo ou pelo menos a mim) que os meus 31 foram um ano intenso de mudança, compreensão e aprendizagem (O DRAMA, A TRAGÉDIA, O HORROR! - e o prémio da hiperbolização vai para...).

Aos 31 deixei de namorar com a pessoa que mais significado trouxe à minha vida e a dureza de tal realidade seria absolutamente suficiente para me transformar em pessoa adulta (conceito que REJEITAREI PARA TODA A ETERNIDADE, 18 till i die, já dizia o mítico Bryan), não o tivessem já feito os ocasionais cabelos de cor oposta ao preto que se projectam na minha cabeça (os motherfuckers não se limitam a nascer, projetam-se efetivamente) ou as ligeirissíssissimas e finíssimas rugas que em certos espelhos se exibem sob as minhas pestanas inferiores.

Aos 31 (muito como consequência do episódio anterior) vi algumas amizades transformarem-se em virtude da vivência real daquele cliché de que os amigos verdadeiros se descobrem quando estamos no nosso pior. Algumas esmoreceram, outras intensificaram-se, relembrando-me que o amor pode vir de muitas origens e que todas as suas diferentes formas têm um lugar onde encaixar (no CORAÇÃO, SIM, NO CORAÇÃO - eu avisei que ia ser momento cliché). 

Aos 31 tornei-me oficial e não oficialmente tia, cimentando a minha ligação ao fenómeno bebé. Obviamente que com 31 anos já havia uma porrada (lamento, mas sim, esta é a única palavra adequada) de bebés no meu círculo, mas foi neste período que entrou na minha vida um pequeno ser loiro e gordo de seu nome José, que me veio mostrar que nem todos os bebés são Chuckies.

Aos 31 vi-me confrontada com todo um dia a dia (um coração e uma vida) por preencher. Chorei rios de lágrimas, criei a regra de dizer sim a todos os convites (éticos e decentes, claro), visitei bebés (e pais e mães de bebés) vezes e vezes sem conta, corri centenas de quilómetros em zonas novas da cidade e aderi a tudo o que era desporto não irritante e impossivelmente atrativo para a Rita do passado (sapateei de meia branca, pus-me em pé numa prancha de surf, subi escadas com pessoas às costas), fui de férias sozinha, fiz programas com casais amigos que me acolheram de braços abertos tal qual celebridades norte-americanas a receber com amor crianças de países sub-desenvolvidos, vi dezenas de episódios de séries (a Netflix já está claramente a perder dinheiro comigo) e filmes (saí pela primeira vez na vida da sala de cinema antes de um filme terminar - agora sim, O HORROR!) e ouvi horas e horas de músicas novas (vive em mim o eterno sonho de que novas bandas sonoras poderão trazer novas vidas).

Agarrei tudo o que era distração... na esperança de não pensar tanto no que deixei de ter e no que ainda não tenho. Talvez não se tenham revelado verdadeiras distrações na literal acepção da palavra, mas é certo que foram elementos decisivos para me manter sã e capaz de olhar para os próximos 32 anos com esperança. 

Se calhar não o deixo transparecer tanto quanto devia ou gostaria, mas sou viciadíssima em esperança. Acho que nem saberia o que fazer sem a mão cheia de sonhos que me preenchem a todo o momento. Em que pensaria? O que desejaria? Que caminho seguiria? Quero muito acreditar em vidas e finais felizes. Ainda espero tanto de tantas coisas e de tantas pessoas (há claramente casos perdidos, mas não está em mim desistir (também sou ligeiramente teimosa, mas acho que isso já transparece demais)).

Por isso, 32, estou pronta e bem cheia de esperança. Bring it ON!

Rita (aos 32 anos e 13 dias)

Marry me, Spoti

As vezes acho que o Spotify é que vai ser a minha cara metade.

Quando estamos no carro e descubro que ele fez uma playlist SÓ PARA MIM e põe a tocar coisas QUE SÓ ELE SABE que adoro, perco a cabeça. 

Hoje, quando ele de forma absolutamente proativa começou a tocar Such great heights, não aguentei, fiz olhos de bambi para o ecrãzinho do carro disse-lhe de coração cheio ‘i love you, spotify’.

Algo me diz que isto vai ser uma relação unilateral.

Easyjet

Lugar na última fila junto ao wc e ao corredor. Ouço todos os flushes. Cheiro todos os aromas.

Mala forçada a viajar no porão. Solitária e sem cadeado. 

Rodeada de jovens inglesas ainda de tiaras de plástico reluzente na cabeça a anunciar o seu status de noivas felizes de cabelo oxiloiro.  

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